Que frenesim se criou em poucas horas nas redes sociais. Também leu, algures, coisas do género “Abel Ferreira demitido”? Se sim, não está sozinho. Foram milhões de pessoas a ler a mesma coisa e muitas a acreditarem-se. Esse é o poder das “fake news”. Há um antídoto para elas? Cada vez é mais difícil, mas há coisas que pode ter em conta, sim.
Neste caso em particular, é “fácil” enganar o leitor. Abel estava numa série péssima de resultados que culminou com a derrota na final da Libertadores. Quem está a par do que se passa no mundo do futebol, sabe disso. E é muito fácil ligar a TV e ouvir coisas de comentadores como “Abel está por um fio”, “Palmeiras tenta treinador X”. Tudo isto pode levar a que depois seja mais fácil espalhar uma mentira.
Se gostava de perceber como tudo começou está no sítio certo. Além de abordar o tema em particular, neste artigo ficará a conhecer o que são estas fake news e, mais importante, como as detetar. Fique desde já avisado que há vários sinais que podem indicar que determinada notícia é falsa, mas é cada vez mais difícil fazer seu reconhecimento, sobretudo por causa de uma coisa chamada inteligência artificial.
O contexto explosivo que deixou o ambiente pronto a incendiar nas redes

O boato não surgiu no vazio. O Palmeiras vinha de um ciclo vitorioso histórico, mas a temporada recente ficou aquém das expectativas da torcida. A derrota na final da Libertadores para o Flamengo foi o ponto de rutura emocional.
Em menos de 48 horas, as redes sociais foram inundadas com críticas, montagens e mensagens de revolta. Muitos usaram os melhores cassinos online do Brasil para fazer a sua bet na Libertadores e não conseguiram vencer. “Sorte” daqueles que apostaram no Flamengo.
Hashtags como #ForaAbel, #FimDeCiclo e #MudaPalmeiras entraram nos trending topics no Brasil. Apenas no X, algumas destas etiquetas ultrapassaram as 150 mil publicações num único dia. No Instagram e no TikTok, multiplicaram-se vídeos com resumos de falhas defensivas, erros táticos e reações exaltadas nas bancadas.
Além disso, voltaram a circular antigas declarações de Abel Ferreira sobre a possibilidade de sair caso passasse uma época sem títulos. Frases ditas meses antes foram recortadas, descontextualizadas e apresentadas como se fossem atuais.
Quando vês semanas seguidas de críticas, memes e debates sobre “ciclo encerrado”, qualquer rumor de demissão parece apenas o próximo capítulo lógico.
Do primeiro post ao pânico coletivo: a cronologia da falsa “demissão”
O nascimento da fake news seguiu um roteiro clássico da era digital. Tudo começou em páginas caça-cliques, muitas com nomes parecidos a portais desportivos reais. O primeiro tipo de publicação surgiu em formato de chamada vaga:
“Abel Ferreira pode ter sido demitido após a final”.
Pouco depois, o tom mudou. No Instagram e no TikTok apareceram vídeos com títulos diretos:
- “CAIU! Abel não é mais técnico do Palmeiras”.
- “BREAKING NEWS! Abel Ferreira deixa o Verdão agora mesmo”.
No YouTube, lives com thumbnails sensacionalistas acumulavam dezenas de milhares de visualizações em poucas horas. Em alguns casos, os próprios criadores admitiam, no meio do vídeo, que “ainda não havia confirmação”, mas o título e a capa já tinham feito o estrago.
O passo seguinte foi a confusão entre opinião e facto. Frases como “tem que demitir” passaram rapidamente a ser lidas como “foi demitido”. Prints de comentários foram tratados como se fossem comunicados oficiais.
O ponto central é simples: não existiu qualquer anúncio do Palmeiras, nem nota oficial, nem declaração formal de dirigentes. O boato nasceu, cresceu e viralizou sem fonte primária.
Porque a tua cabeça acreditou: emoção, viés e efeito de multidão
Há um motivo pelo qual estas histórias funcionam tão bem no futebol. Elas mexem diretamente com emoção, frustração e identidade.
O chamado viés de confirmação entra em ação de forma automática. Se tu já estavas convencido de que Abel devia sair, o teu cérebro aceita o rumor quase sem resistência. A emoção vence a verificação.
O Digital News Report 2024 mostrou que cerca de 30% das pessoas consomem notícias principalmente por redes sociais. E mais: uma fatia crescente afirma confiar mais em influenciadores do que em meios tradicionais. No Brasil, esse número ultrapassa os 35% entre jovens até aos 34 anos.
Quando o teu feed inteiro repete a mesma narrativa, o teu cérebro interpreta isso como prova social.
Quando vês dez, vinte, trinta publicações a dizer o mesmo, começas a sentir que aquilo é facto, mesmo que nenhuma fonte oficial tenha confirmado nada.
Algoritmos, reels e WhatsApp: como um vídeo de 15 segundos vira “verdade”

Os números ajudam a perceber a dimensão do problema. Em Portugal, dados de 2023 indicam que 18 em cada 100 pessoas já usam redes sociais como principal fonte de notícias. No Brasil, este valor ultrapassa os 40%.
Instagram, TikTok e YouTube são hoje canais centrais de informação para milhões de adeptos. E o algoritmo não privilegia o rigor, privilegia a reação. Um post com “Demissão bombástica” gera muito mais partilhas do que um comunicado cauteloso do clube.
O percurso típico é este:
- Um criador publica um vídeo de 15 segundos com música dramática e a palavra “CAIU!”.
- O algoritmo detecta picos de interação nos primeiros minutos.
- O vídeo é empurrado para milhares de feeds.
- Em menos de uma hora, entra em grupos de WhatsApp, stories, reacts e páginas de torcidas.
Em menos de 3 horas, o rumor pode atingir centenas de milhares ou milhões de pessoas, sem que nenhuma delas tenha visto uma única fonte oficial.
Quando até perfis verificados ajudam a empurrar o boato
Aqui entra a zona cinzenta entre jornalismo, opinião e especulação. Alguns sites e perfis “semi-profissionais” começaram a publicar títulos como:
- “Abel está por um fio no Palmeiras”.
- “Diretoria avalia futuro do treinador”.
Nada disso é mentira direta, mas o modo como é apresentado cria a sensação de confirmação. Em seguida surgem conteúdos disfarçados de verificação:
“Checamos: Abel vai sair?”.
O problema é que muitas destas “checagens” apenas resumem a especulação que já está a circular. O leitor apressado raramente chega até ao fim do texto. Fica apenas com a ideia de que algo grave está prestes a acontecer.
Quando um perfil com selo de verificado aparece no teu feed a falar do tema, é natural que tu sintas que aquilo legitima a história, mesmo que seja apenas opinião ou cenário hipotético.
A resposta do Palmeiras e de Abel no meio da tempestade digital
Não era a primeira vez que o clube precisava de reagir a rumores. Em episódios anteriores, o Palmeiras já tinha negado publicamente boatos sobre Abel rumar a seleções ou a clubes da Europa.
No auge da pressão pós-Libertadores, dirigentes vieram novamente a público reafirmar confiança total no treinador. Internamente, a palavra usada foi “blindagem”. O objetivo era estancar a sangria de especulação.
Entre os adeptos, a divisão ficou ainda mais clara. Uma parte sentiu alívio. Outra acusou a imprensa e as páginas digitais de estarem a criar uma crise artificial apenas para gerar cliques.
Este vai-e-vem de boatos tem um efeito real: desgasta a relação entre clube, treinador, imprensa e torcida. Cada novo ciclo de fake news corrói mais a confiança de todos.
Se trabalhas na comunicação de um clube, sabes que hoje uma manhã de boatos mal gerida pode valer semanas de ruído e desgaste.
O que o caso Abel revela sobre o futuro da informação no futebol
O episódio não é isolado. Ele encaixa numa tendência global. O consumo de notícias está cada vez mais fragmentado. Já não depende apenas de jornais, televisão ou rádio. Passa por criadores, páginas de humor, perfis de fãs, canais de reacts e cortes de lives.
Hoje, uma análise tática feita por um influencer pode alcançar mais gente do que uma reportagem de um grande jornal. O problema não é o novo formato, é a ausência de filtros.
Projetos de fact-checking desportivo, que cresceram nos últimos anos, desempenham um papel cada vez mais importante. Foram eles que, rapidamente, desmentiram a suposta demissão de Abel e mostraram a ausência total de fontes oficiais.
Para ti, leitor, algumas boas práticas são cada vez mais essenciais:
- esperar sempre por comunicação oficial do clube
- conferir se pelo menos dois veículos fiáveis confirmaram
- desconfiar de prints sem link
- evitar partilhar vídeos sem contexto
Hoje, influencers e celebridades já são vistos como fontes de notícia em plataformas como Instagram e TikTok. Isso dá-lhes poder, mas também uma responsabilidade que nem todos assumem.
Da próxima vez que te aparecer uma manchete de despedimento bombástica no feed, a decisão está nas tuas mãos: clicas e partilhas no impulso ou fazes uma pausa para verificar se, desta vez, a bola é mesmo verdadeira.
Numa era de cliques, tu também fazes parte do problema, ou da solução
Tudo começa quase sempre da mesma forma: a notificação no telemóvel, o vídeo curto, o “CAIU!” em letras gigantes. Em poucos segundos, já há centenas de comentários, insultos, festejos e indignação.
O caso de Abel Ferreira não é apenas sobre um treinador. É o retrato perfeito de como o futebol passou a viver num ecossistema dominado pela atenção, pela emoção e pelos cliques. Um ambiente onde a mentira viaja mais rápido do que a confirmação.
Num mundo em que qualquer rumor pode virar tendência em minutos, tu deixas de ser apenas espectador. Passas a ser parte do sistema, ou ajudando a espalhar o erro ou a travá-lo.
